Oi sumido

Talvez a melhor forma de retomar o blog seja prestando contas. Não lembrava se eu o tinha desativado ou não e foi bem difícil achá-lo de novo. Quanto ao título, as coisas continuam quase as mesmas: a insônia e o tabaco continuam firmes, o chá eu dei uma parada. Fui dormir à meia noite, acordei às 3h, não tinha cigarro em casa, saí pra comprar e aqui estou.

A ideia do blog era fazer algo útil da minha insônia, que, sendo honesto, é uma das maiores responsáveis por eu ter passado no vestibular, conseguido concluir a graduação e depois ter sido aprovado no concurso de oficial de chancelaria. O preço, que ainda hei de pagar, é que junto com ela vem o cigarro. Para treinar a redação em português e em inglês, o projeto era escrever o blog em português e depois traduzir para o inglês como um exercício. Como de costume, comecei e não continuei, um defeito que reconheço que tenho. Tudo bem que é um defeito fácil de assumir, tanto que muita gente admite que tem, só que eu já tive prejuízos bem concretos por causa disso. Não vale a pena falar deles aqui, afinal isso não é um diário, mas para tentar lidar com isso eu lembro de um aforismo do Baltasar Gracián:

“Aforismo 242. Completar as vitórias. Alguns fazem tudo para começar e nada para terminar. De caráter volúvel, não persistem. Nunca recebem elogios porque não concluem nada, começam as coisas, mas nunca terminam. Esforçam-se, superam as dificuldades, mas não vão até o fim. Demonstram que podem, mas não querem. Trata-se de um defeito, uma prova de inconstância e de incapacidade. O que compensa começar compensa terminar. Se não, por que começar? Os sábios não se limitam a espreitar a presa, vão à caça”.

Até as coisas que dão muito certo eu abandono, que é o caso do blog, como passo a relatar. Em 31 de agosto de 2015, recebi um e-mail avisando que um comentário havia sido feito na versão em inglês do blog.

“I would love to read the entire dialogue between Aldous Huxley and Gilberto Freyre. You published on the blog a very short excerpt from the appendix in post “Neighbouring…”
I cannot find a copy of *Brasis, Brasil, Brasilia* here in vancouver, where I am preparing a scholarly edition of elizabeth Bishgop’s essay “A New Capital, aldous Huxley, and Some Indians”–a memoir of Huxley’s trip to Brasil in 1958. It will be published with annotations in the next number of Aldous Huxley Annual, Muenster, and I would be very grateful if you could photocopy or scan the entire dialogue from the appendix of that book, which apparently you have.
I will be sure to acknowledge your contribution when my article is published.
Regards,
James Sexton, Ph.D.

Eu procurei o nome dele nas redes sociais e não encontrei nada. Descobri na Amazon que ele era um professor universitário canadense especialista na obra do Aldous Huxley. Segue o diálogo que levou à tradução.

[Eu. 01/09/2015]

Dear James,

You can’t imagine how surprised I am with your message. I have forgotten I wrote that post because I didn’t have the time to keep writing the blog. I received an e-mail with your comment and only then I remembered the post and the blog. It will be my pleasure to help you.

(…)

Soon, maybe tomorrow, I will scan the book cover, the first pages with the (incomplete) publishing references and the dialogue. Do you prefer the whole book? It will be no problem to me. Out of curiosity, how will you do to read it? Is there anyone who can help you with the portuguese language? Anything you need, tell me. I will be happy to help you.

[Ele. 01/09/2015]

Dear Felipe,

First of all, thanks so much for replying to me. Since I posted my reply, I have discovered that there is a book called the Gilberto Freyre Reader, New York: Knopf, 1974, and it not only reprints the one page dialogue, but translates it into English. I  think, however, that the original dialogue might be longer. Huxley visited Freyre in Recife, probably at his home, because Freyre refers to an annotated essay by Huxley’s grandfather, on his bookshelf. (…) I don’t want to put you to the trouble of scanning unnecessarily, but if the dialogue between Freyre and Huxley is more extensive, then I would be delighted if you could scan the entire exchange between the two authors.

[Eu. 04/09/2015]

(…)

Sorry I coudn’t answer you earlier. The scans were only ready yesterday. Here follows the whole dialogue. I am sure you will enjoy it. I can translate it to english if you like. You won’t be asking too much. 

[Ele. 04/09/2015]

Dear Felipe,

Thank you so much. What a wonderful start to my morning.! I woke up at 7 a.m. And soon I started looking at the dialogue…what a delight. I am certain that this rich conversation should be translated into English. I have located a good Portuguese grammar and dictionary at home, and, I hope that if you still feel inclined, that we can begin a translation soon. I am also thrilled with the archival possibilities, and I have learned where Huxley was over his roughly 15 days in agosto 58. This is great, mil gracias, James

A edição do livro a que ele se refere – Brasis, Brasil e Brasília do Gilberto Freyre – eu encontrei por acidente na Biblioteca Central da Universidade de Brasília quando escrevia a minha monografia. Como a banca ressaltou, foi uma das referências mais relevantes para o trabalho. Ela é citada em várias partes, especialmente na conclusão, quando falo sobre Brasília e usei o seguinte trecho:

“Brasília não é para ser considerada um puro problema de arquitectura, ou, sequer, de urbanismo, mas de ecologia. De ecologia tropical. […]. Isto o que tenho dito, isto o que tenho escrito. Isto o que tenho procurado opor de concreto aos abstracionistas que, contrariando os próprios desígnios do Presidente Juscelino Kubitschek, julgam possível a um país pobre, como é o Brasil, dar-se o luxo de levantar uma cidade só de arquitectura escultural, com a sua edificação ordenada exclusivamente por arquitectos –aliás, ilustres –como por uma casta de sacerdotes sagrada, toda-poderosa e omnisciente.” [pg. 154]

O livro foi publicado em Portugal, em uma colecção chamada Livros do Brasil. A edição não tem data, mas, pela advertência na contracapa, é possível ter uma noção de mais ou menos quando: “venda interdita nos Estados Unidos do Brasil”. A ironia é que um dos capítulos do livro – Sugestões em torno de uma nova orientação para a relações inter-regionais no Brasil – é uma conferência proferida pelo Gilberto Freyre em agosto de 1958, poucos dias antes do encontro com Huxley, na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), que, comprovada e documentadamente, apoiou o golpe civil-militar que acabou por proibir o livro. Como alguém disse sem razão, a História se repete e, a partir de 2013, lá estava de novo gente na frente da FIESP disposta a se autoflagelar. Dessa vez não entraram, ficaram na calçada.

Relendo os e-mails que troquei com ele, encontrei este.

“Have you seen the news about Brazil lately? In 30 years I have never seen something like that and Brazil is not quite a peaceful country. I’ve seen crazy things these days, James. I believe it is the right moment for someone try to do something like the “War of the Worlds” radio broadcast by Orson Wells. People turned so unreasonable that I believe if someone starts saying aliens arrived to Brazil and are supporting or are against one side or another there will be people who will believe it.” (e-mail de 10 de março de 2016)

Evidentemente ele não estava entendendo nada do que estava acontecendo – nem a gente estava, imagina ele. Nesse longo meio tempo, entre a tradução e hoje, o livro foi publicado – recebi um exemplar vindo da Alemanha –, a tradução foi devidamente registrada no Currículo Lattes, consegui ser aprovado no concurso de oficial de chancelaria, tomei posse depois de mais de um ano de espera, agora estou há pouco mais de dois anos trabalhando no Itamaraty e o que parecia só mais uma rachadura no país virou um desabamento que não parece ter prazo para acabar. Não nos falamos mais desde então, mas penso que, se ele achou que eu exagerei no início de 2016, deve ter mudado de ideia.