“Você sabe com quem está falando?”

Ouvir isso duas vezes no mesmo dia é demais para mim. Eu chego no Tribunal 13h e um advogado e dois servidores estão gritando com a caixa do Banco do Brasil. Aí um vem e diz:

– Eu estou no meu horário de trabalho. Me respeita!

– Eu também estou trabalhando! – respondeu a caixa.

– Mas você está no seu ambiente de trabalho e o meu é lá em cima! -. Eu não entendi o raciocínio dele, mas achei um belo um tiro no pé. Se ele estava no horário de trabalho, não deveria estar no banco.  Ou talvez o que ele quis dizer tenha sido: eu sou servidor do Tribunal e você é bancária.

Depois chegou um segurança e, para minha surpresa, não alisou o cara. Falou que ele deveria ser mais educado. O gerente chegou, também muito tranquilo, e os dois servidores se debatendo igual loucos. Aí o outro servidor falou para o gerente:

– Mermão, você tá errado e ainda quer argumentar? – Ora, ora, meu caro, – pensei em objetar – mas não é exatamente por este motivo; qual seja, o de que cada homem se torna apaixonado e parcial quando juiz de sua própria causa; que Locke defendeu no Segundo Tratado sobre o Governo Civil a necessidade de intervenção de um terceiro para refrear as inconveniências da autotutela no estado de natureza? Mas eu pensei com meus botões que, antes que eu pudesse terminar o “ora, ora”, ia me meter num tumulto e não numa tertúlia.

Lá para as 20h eu vou numa loja comprar um mouse e um fone de ouvido. Nos 2 minutos entre escolher os fones de ouvido e ir para a prateleira dos mouses, um cara começa a gritar com um funcionário. Primeiro, ele chamou o funcionário para brigar lá fora (com aquela coragem de quem sabe que uma pessoa não joga um emprego fora assim para brigar com um cliente do lado de fora da loja). O gerente tentando acalmar o sujeito. O funcionário com aquela de choro. Depois ele começou a chamar o funcionário de bundão e a falar que ele não podia ser tratado daquele jeito.

– Você sabe quem eu sou? Você sabe do que eu sou capaz? – E eu tive vontade de perguntar: E você sabe quem é o Roberto DaMatta?

O cara sentou com o gerente e ficou de lá encarando o funcionário. Eu fui pagar o mouse e os fones de ouvido chocado por ter visto aquilo duas vezes no mesmo dia. Eu não pude deixar de comentar com a caixa, com a vendedora e com o segurança que era a segunda vez que eu via aquilo naquele dia.

E quantas vezes eu já não vi isso? Uma pessoa de classe média, em regra branca, que, julga-se pela atitude, se considera muito esclarecida sobre os seus direitos, agir como se os seus direitos de consumidor fossem absolutos. Os direitos humanos que tem aquela pessoa (sim! Direitos humanos!); os direitos advindos da condição de trabalhador daquela pessoa (condição essa vulnerável em si mesma); as boas e velhas cortesia, afabilidade e urbanidade (termo que tem perdido o seu significado original para se tornar o seu oposto, infelizmente); tudo, tudo deve abrir espaço para a soberania do CONSUMIDOR.

Não é necessário concordar com um frase ou mesmo exigir que ela seja verdadeira para que nos faça pensar. E nesse momento eu penso nesta:

“Jamais existiram homens tão grosseiros como nossos modernos burgueses” Friedrich Engels